Museu da Escola, que funcionava na Praça da Liberdade, foi transferido para o Bairro Gameleira
Minas Gerais era um dos poucos estados brasileiros a orgulhar-se de
possuir um museu dedicado à educação, num prédio imponente da Praça da
Liberdade, em Belo Horizonte, onde funcionava a extinta Secretaria de
Estado da Educação. Com acervo importante de cerca de 6 mil peças, entre
mobiliários, objetos escolares, livros, cadernos, cartazes, cartilhas,
mapoteca, manuais de ensino, fotografias, documentos textuais e arquivos
de depoimentos orais, vindos de várias coleções, a instituição contava
com público cativo em busca de estudo, pesquisa e reflexão. O Museu da
Escola foi fechado para dar lugar, em 2010, ao Museu das Minas e do
Metal. “Foi um dos paradoxos mais loucos que presenciei na vida.
Arrancaram um museu para colocar outro. Tiraram a educação de lá”,
reclama a socióloga e professora da Faculdade de Educação da UFMG Inês
Teixeira.
O antigo espaço, como foi
idealizado, deixou saudade e uma ferida aberta no setor da educação e da
memória em Minas. A história remonta a 1990, quando, dentro das
comemorações do Ano Internacional da Alfabetização, foi realizada uma
exposição sobre a educação no Centro Cultural UFMG, na capital mineira.
Além de atingir grande repercussão, a mostra despertou para necessidade
de se pensar um museu dedicado ao tema. A tarefa, liderada pela
educadora Ana Maria Casasanta, em colaboração com o professor Raimundo
Nonato Fernandes, ganhou adeptos até que, em 1994, foi inaugurado o
pioneiro Museu da Escola, o primeiro do gênero da América Latina.
“Surgia no lugar certísssimo: o prédio da antiga Secretaria de Educação,
no Palácio da Educação, local de fácil acesso de todos, na Praça da
Liberdade”, lembra a ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha Priscila
Freire. Ela mesma doou todo seu acervo sobre educação para o novo
museu.
O projeto do Circuito Cultural Praça da
Liberdade foi lançado em 2009 sem considerar a presença do Museu da
Escola. A instituição foi retirada do local de origem e, desde então, o
acervo iniciou um processo de transferência que dura até hoje.
Permaneceu um tempo num espaço bem menor no Instituto de Educação, entre
2007 e 2011, até ser mais uma vez transferido para outro prédio
provisório no Magistra, a escola de formação e desenvolvimento
profissional de educadores de Minas Gerais, no Bairro Gameleira. A
história não chegou ao fim. “A meta é reformar um casarão no próprio
local e transferir definitivamente o museu. Aí sim, terá sede
definitiva. Hoje não tem o apelo arquitetônico de antes. Meu papel é
tentar recuperar a história que perdemos”, afirma Ângela Dalben,
diretora do Magistra. Ainda não há verba garantida para a realização do
projeto.
As críticas atuais ao Museu da Escola
não são somente relacionadas à arquitetura. Instalado no edifício
dentro do Magistra, o formato não manteve a mesma força do projeto
original. “Chamaram o escritor Bartolomeu Campos de Queirós (que morreu
em janeiro deste ano) para organizar a exposição. O resultado até tem
certa graça, mas, infelizmente, não ficou direito. Carece de uma
museologia elaborada por um profissional da área e de melhores
instalações. A parede é de tijolo furado e, para escondê-la, instalaram
uma cortina, o que não é adequado. Para completar, o acervo não está
devidamente identificado”, aponta Priscila Freire. Entre várias outras
peças, ela doou uma preciosidade: um exercício de francês feito pela sua
avó, no século 19. Quando visitou o novo museu, o material estava sem
identificação. “Fiquei danada da vida”, conta ela, que imediatamente
enviou uma carta aos responsáveis reclamando da situação.
Orgulho
Enquanto funcionou na Praça da Liberdade, o Museu da Escola marcou
época. “Vivi uma emoção em Barcelona, na Espanha, em 2004, quando ouvi o
depoimento de uma pesquisadora de Santa Catarina citando, orgulhosa, a
importância de o Brasil ter um museu dedicado à escola em Belo
Horizonte”, lembra Inês Teixeira. Segundo ela, enquanto funcionou no
endereço original, o museu cumpria a função. “Era um local para visitar o
acervo, as exposições, para promoção de oficinas e para consulta à
biblioteca de referência. Ou seja, era um verdadeiro centro cultural.
Não perdemos só um museu tudo que imaginávamos para um circuito cultural
estava lá”, reforça. A inauguração do Magistra, há três meses, ocorreu
justamente para tentar reparar a situação. “Foi feito para preencher o
papel de centro de formação que era desempenhado antigamente na Praça da
Liberdade”, conta Ângela Dalben.
O desafio da
gestora será mais amplo. A começar pela reconceituação do acervo do
Museu da Escola. “O conjunto de peças é rico, bonito e possibilita uma
ação pedagógica extensa. Os objetos falam por si mesmos em relação à
história da educação em Minas e no Brasil. Precisamos retrabalhar o
acervo para recuperar a valorização do professor que está em sua própria
história”, avalia Ângela. Além de encontrar uma solução definitiva para
o Museu da Escola e para a biblioteca, que também funcionava no prédio
da Praça da Liberdade, a diretora pretende dar um futuro mais promissor
para o Museu Pedagógico e Laboratório Leopoldo Cathoud, antes instalado
no Instituto de Educação, e cujo acervo necessita de cuidados urgentes.
Criado em 1946, é formado por cerca de 5 mil peças, entre equipamentos
de física, química, astronomia, amostras mineralógicas, zoológicas,
botânicas e paleontológicas. Transferido para o Magistra, está em
pequena parte exposto, mas carece de verba para voltar a ser apreciado
em sua plenitude pelo visitante.
Museu da Escola
Pioneiro
no Brasil, conta a história da educação escolar de Minas Gerais. Entre
as curiosidades do acervo destaca-se a réplica de uma sala de aula
anterior à década de 1930, em que a “orelha de burro” e a palmatória,
abolida em 1927, eram sinais de disciplina. Retrata vários momentos
pelos quais a educação mineira passou, como a escola tradicional, a
escola nova, o modelo pabae tecnicista e a escola contemporânea. Pouco
gente sabe, mas, Minas foi pioneira em várias aspectos na educação
brasileira desde os anos 1930, quando esteve à frente do país ao lançar a
Escola de Aperfeiçoamento, projeto que contou com a participação e
liderança de grandes educadores, como a russa Helena Antipoff. Entre as
peças do museu, há carteiras e quadros negros. Ele pode ser visitado
gratuitamente, no Magistra, Avenida Amazonas, 5.855, Gameleira, de
segunda a sexta, das 9h às 17h. Informações: (31) 3379-8210.
Análise da notícia
Lição de casa
Ao
se pensar no Circuito Cultural Praça da Liberdade e se descartar a
presença de uma instituição consolidada entre os espaços que seriam
criados, sem discussão prévia com o setor cultural, educacional e
artístico, o episódio deixou marcas profundas. O setor de educação se
sentiu desvalorizado e a cultura perdeu um acervo significativo, num
lugar privilegiado. As 6 mil peças dedicadas ao ensino representariam um
desafio incrível para qualquer museólogo ou profissional da área criar
um museu único no país. Basta ver a experiência de sucesso que o Museu
da Língua Portuguesa tem protagonizado em São Paulo, ao trabalhar o novo
idioma português em sua vasta expressividade.
Além
disso, a ideia do circuito previa a valorização dos equipamentos já
existentes, como a Biblioteca Pública e o Museu Mineiro, cuidado que não
foi seguido no caso do Museu da Escola. A experiência com o Museu da
Escola também é sintomática do que não se deve fazer com um acervo
histórico. Ao mudar de endereço inúmeras vezes, as delicadas peças, por
mais bem acondicionadas que possam estar, sofrem risco de danificação.
Felizmente, o futuro parece ser promissor. Mas, ainda assim, não apagará
as marcas dos equívocos cometidos.
fonte:
http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_7/2012/05/08/ficha_agitos/id_sessao=7&id_noticia=52792/ficha_agitos.shtml