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domingo, 30 de dezembro de 2012

Museu Casa Azul exibe joias, vestidos e próteses usados por Frida Kahlo


CIDADE DO MÉXICO - Em janeiro de 1939, Frida Kahlo viajou pela primeira vez a Paris. A convite de André Breton, mentor do surrealismo, a mexicana expôs sua arte e sua própria figura na capital francesa. “Em todas as reuniões a que vou e em qualquer lugar onde estou, o centro das atenções sou eu: com minhas formosas roupas bordadas indígenas, com meus adornos de flores na cabeça, e inválida”, relatou Frida a Diego Rivera, seu marido, em carta escrita durante a viagem.

Pela primeira vez, esses vestidos e adereços coloridos que viraram a marca da pintora são mostrados ao público. A Casa Azul, museu que funciona na residência onde Frida nasceu, em 1907, viveu praticamente toda sua vida e morreu (em 1954, por conta de uma pneumonia ou suicídio), inaugurou a exposição “As aparências enganam: os vestidos de Frida Kahlo”. O nome da mostra é inspirado em um dos muitos autorretratos feitos por Frida. No desenho, por baixo de suas roupas, vê-se seu corpo nu cheio de cicatrizes, as pernas desiguais — uma delas decoradas com borboletas — e a coluna fraturada.

Por causa da pólio, Frida tinha uma perna mais curta que a outra. Além disso, aos 18 anos sofreu um grave acidente de trânsito que deixou inúmeras sequelas — foi operada mais de 30 vezes. Para ocultar o problema nas pernas, usava saias muito longas e adaptava seus calçados. E, para disfarçar as cicatrizes e os aparelhos ortopédicos que usava no tronco, fazia com que as atenções estivessem sempre em seu rosto, cabelos e pescoço.

— Frida transformou incapacidade em vitalidade. Criou um estilo para chamar a atenção de uma maneira muito sua — assinala Hilda Trujillo, 47 anos, diretora do Museu Frida Kahlo, a Casa Azul.
Dona de um estilo único e revolucionário para a época, a pintora construiu sua imagem com base em dois pilares: a deficiência física e suas raízes mexicanas, explica Circe Henestrosa, 38 anos, curadora da exposição. Segundo Circe, as roupas recuperadas — a grande maioria feita pela própria Frida — e agora mostradas ao público ajudam a entender a personalidade da pintora:
— Esses objetos nos deram muita informação de como ela era, seus gostos, suas cores favoritas. Frida era muito vaidosa e sofisticada.

As peças também destacam as convicções políticas da mexicana — que abrigou o comunista Trotsky, expulso da Rússia, em sua casa — e sua opção por valorizar as vestimentas típicas de seu país.

Além de saias, blusas, sapatos e joias da artista, são expostos pela primeira vez os aparelhos ortopédicos e a prótese que teve que usar por causa da amputação da perna direita em 1953. Esse material revela o sofrimento físico que, durante a vida, a artista mexicana enfrentou. “Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade”, disse certa vez Frida.

Em seu testamento, o muralista Diego Rivera (1886-1957) fez constar que um dos banheiros da Casa Azul, que guardava objetos da mulher, deveria permanecer fechado por 15 anos.
— Ele tinha conflitos como comunista e não queria que isso fosse mostrado, para preservar a imagem de Frida. Quem ficou a cargo disso, Dolores Olmedo, resolveu que enquanto estivesse viva o banheiro não seria aberto. E mais, mandou também fechar armários, baús e gavetas. E ela viveu muito tempo — explica Trujillo.

Só em 2004, depois da morte de Dolores, esse material foi conhecido: mais de 20 mil documentos, entre fotos, desenhos (como o autorretrato que dá nome à exposição), cartas, além de mais de 300 objetos pessoais da artista.

Pouco a pouco esse tesouro vem sendo mostrado. Os vestidos e outros pertences de Frida passaram por um cuidadoso processo de restauração e estarão expostos até novembro do ano que vem — haverá uma rotatividade de peças para evitar a deterioração e para que todo o material possa ser visto. Também em 2013 será publicado um livro com fotografias dos objetos recuperados.

Renato Camarillo Duque, 25 anos, restaurador responsável por tratar as peças de Frida, diz que ficou assombrado ao ver as vestimentas:

— Fiquei fascinado ao observar os detalhes dos tecidos, a delicadeza dos bordados, a cor e a textura. Muito diferente das fotos branco e preto, que era o que conhecíamos até então.
Embora trancados por mais de cinco décadas, os objetos estavam, em sua maioria, em bom estado.

— Estiveram guardados em uma temperatura linear, com pouca flutuação de umidade e temperatura. Mais de 80% das prendas estavam impecáveis — explica Camarillo, que realça a importância de que tenha sido possível recuperar esse material: — São documentos que permitem estudar Frida e seu contexto, além de serem peças maravilhosas da cultura mexicana, algumas delas já nem são mais confeccionadas.

Do material encontrado em 2004, grande parte ainda não foi mostrado ao público.
— Temos, por exemplo, uma carta que o Einstein escreveu a Diego agradecendo por ter sido pintado — conta Trujillo.

Ícone das feministas
Como em testamento Rivera disse que nada do que havia na casa poderia sair — os vestidos tiveram que ser restaurados na própria residência —, só quem visita o museu, que toma quase uma quadra inteira do charmoso bairro de Coyoacán, na Cidade do México, tem o privilégio de ver de perto as famosas cores de Frida.

— Ela não teve reconhecimento em vida, mas nos anos 1970 foi redescoberta, primeiro na Alemanha, depois no mundo todo. É um ícone das feministas, dos deficientes, mas também uma figura da moda. O que poucos sabem é que ela posou para a “Vogue” em 1939, era amiga da editora da revista em Nova York e se importava muito com seu estilo — diz a diretora do museu.
No passeio pela Casa Azul, que recebe em média 20 mil visitas mensais, nota-se como a artista mexicana encanta e ainda marca tendência.

— Olha essa blusa, eu usaria hoje e tenho certeza de que seria um sucesso — diz uma moça de 20 e poucos anos, deslumbrada com uma das vestes expostas.

Na visita a Paris, em 1939, Frida disse que chamou a atenção a ponto de os carros pararem no meio da rua para vê-la. Parece que hoje não seria tão diferente.


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