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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Colecionadores árabes se firmam como os principais investidores de arte

Em meio à crise global e dispondo de quantias incomparáveis a outros compradores, os colecionadores dos Emirados Árabes e do Qatar se destacaram



'Three studies of Lucian Freud', tríptico de Francis Bacon, foi comercializado por US$ 142,4 milhões: obra mais cara já vendida em leilão 

 O mês de novembro foi de agitação no mercado de arte internacional. A casa de leilões Christie’s vendeu um tríptico do britânico Francis Bacon por US$ 142,4 milhões. Não se sabia quem era o comprador, até que um jornal americano garantiu se tratar da sheika Al-Mayassa, que encabeça a lista dos 100 nomes mais podersos da arte feita pela Art review em outubro. Ela é a idealizadora da Qatar Museum Authority, instituição que pretende construir uma rede de museus equipada com as melhores coleções do mundo árabe. Al-Mayassa também é apontada como a compradora de O jogador de cartas, do francês Paul Cézanne, vendido por US$ 250 milhões. “De qualquer forma, hoje toda grande compra é atribuída ao Qatar”, repara a escritora francesa Judith Benhamou-Huet, autora de As obras de arte mais caras do mundo e O valor da arte.

O Oriente Médio se tornou um território de cobiça para casas de leilões, galeristas e marchands de arte. Com a crise europeia, é das arábias que vêm agora as grandes somas investidas em arte. É um investimento planejado e com objetivos muito claros na maioria das situações. Boa parte desses mecenas são os próprios governantes dos países do Golfo Pérsico, especialmente os Emirados Árabes Unidos, que querem transformar a região em um pólo cultural. Uma filial do Museu do Louvre e outra do Guggenheim estão em construção em Abu Dhabi. A previsão de inauguração foi adiada algumas vezes. Agora, fala-se em 2014 para o Louvre oriental.

No Qatar, a sheika Al-Mayassa toca um projeto que inclui o imenso Museu de Arte Islâmica e um Museu de Arte Moderna. Em Charjah, o emirado mais pobre, a Bienal de Arte de 2009 se dizia a maior do Oriente, mas o evento ficou restrito a duas edições. O emirado mais rico realiza anualmente a Art Dubai, essa sim a maior feira de arte do Oriente Médio. Para alimentar a demanda crescente, a Christie’s abriu escritório em Dubai e a Sotheby’s, em Doha (Qatar).

Confira entrevista com Judith Benhamou-Huet

O que muda nesse cenário do mercado de arte, o que estamos assistindo nesse momento?

Na verdade, não muda nada. O que houve é uma rarefação dos impressionistas e modernos, o quer dizer que os grandes quadros de Van Gogh, de Monet e os grandes quadros cubistas desapareceram. Hoje, eles estão nos museus. Então, em cima de quê os colecionadores vão trabalhar? A pintura antiga é difícil e rara, resta a pintura contemporânea. E na pintura contemporânea, a demanda se exerce em cima das obras já consideradas clássicas, de artistas dos quais se conhece o nível da produção. Warhol morreu em 1987, então podemos incorporar completamente sua obra, sabemos que as obras top do início também são legais. Ao mesmo tempo que há uma demanda de arte, a arte contemporânea está muito na moda e se tornou uma paixão das pessoas muito ricas. Há cada vez mais pessoas milionárias. A China ganhou 18 milionários no ano passado. E depois de comprarem casas, carros e joias, o que mais eles podem comprar? Arte. É um passaporte social. Isso quer dizer que todos os mais ricos concorrem via arte.

E porque o Oriente Médio tem se destacado nas compras?

Hoje há uma competição entre o Qatar e Abu Dabi para criar um hub cultural. O Qatar compra muito mais que Abu Dabi, aliás. Porque em Abu Dabi, eles têm um projeto claro, é o governo quem compra. No Qatar, eles têm uma série de museus que querem construir, mas não revelaram todos os projetos. E o sheik do Qatar, que acabou de se retirar e deixou o lugar para o filho, escreveu uma carta constituinte para os próximos 30 anos na qual diz que a cultura é uma espécie de ponta da lança, uma saída do obscurantismo e uma abertura para o mundo. E a sheika à qual os rumores atribuem a compra do Bacon conhece muito bem a arte contemporânea e é apaixonada por arte, e por uma arte muito midiática. O marido dela também é um grande colecionador. E eles têm um orçamento que ultrapassa tudo que conhecemos. Mas estamos 100% na incerteza quando se trata do que eles possuem ou não possuem, assim como sobre onde estão essas obras.

Você acha que isso pode mudar o pólo cultural do mundo? Qua as pessoas podem viajar a Abu Dabi para ver o Guggenheim ou o Louvre?

Fui várias vezes em Abu Dabi, há uma feira agora lá. Quando eles tiverem coleções excepcionais — porque eles já têm parques de golfe excepcionais, piscinas excepcionais, pistas de corrida excepcionais, praias excepçcionais — não vejo por que não ir para lá.

Com o que resta de disponível de arte histórica no mundo, você acha que é possível fazer uma coleção excepcional?

Claro. Os rumores dizem que foram eles também que comparam o Jogador de cartas, do Cézanne. De qualquer forma, todos os boatos agora dizem que foi o Qatar que comprou quando há um valor muito alto. No início de setembro, houve um quadro de Picasso vendido por US$ 22 milhões e dizem que um artista chinês comprou, mas eu não acredito que o chinês seja o comprador. Os rumores dizem que o Qatar comprou. De qualquer forma, eles hoje fazem exposições excepcionais. E de grande qualidade.

Qual a diferença entre a maneira como o Oriente Médio consome arte e a China?

Hoje não há política de estado de compra de arte na China. O estado chinês encoraja os parceiros privados a comprar arte para que ela não fique no país ou volte para o país. Mas há muitos colecionadores chineses e eles fazem isso com objetivo puro da especulação. Não tem nada a ver com o Oriente Médio. Em contrapartida, o mundo inteiro coleciona arte chinesa já antecipando as compras chinesas. Um chinês (o empresário Wang Jianlin) comprou um Picasso de 1954 por US$ 28 milhões. Eles compram, mas não há uma potência de colecionadores chineses como tem no Oriente Médio. No Qatar, é muito centralizado.

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